Reflexões

No meio da rua tinha um afago

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Imagem by Giuseppe Martino cc

Eu o encontrei, ou melhor, ele me encontrou apressada, enquanto passava rápido diante de um estacionamento. Mas veio tão feliz ao meu encontro que não pude deixar de parar para lhe dar atenção. Eufórico, começou a pular ao meu redor e jogou as patas no meu colo, com aquela expressão de máxima felicidade que só os cachorros sabem ter. Parecíamos dono e animal nos reencontrando, depois de anos sem nos vermos.

Fiz um afago e olhei em volta, procurando algum tipo de responsável. Ninguém. Magro e sujo, o cão estava mais pra ser de rua do que da casa de alguém. Perguntei ao funcionário do estacionamento. Quem sabe essa responsabilidade não era dele? “Nunca vi por aqui” foi a resposta. Atrasada para o cinema, me pus a andar com o coração doído. Atrás de mim, o animal vinha sorrindo um sorriso besta de língua de fora.

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Pequeno manual de notícias falsas

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Como saber se uma notícia veiculada na internet é falsa? Com um pouco de conhecimento e as ferramentas certas, é fácil desbaratar qualquer farsa. Basta querer.

Então vamos aos critérios:

1. Qual é a fonte?

Até a assessoria do Senado já deu o recado
Até a assessoria do Senado já deu o recado

A primeira pergunta para saber se uma notícia confiável é: de onde veio? Se você sequer sabe de onde o texto ou a imagem foram tirados, já é um indício de farsa. Se veio da (o) sua (seu) tia/prima/vizinho/amigo de infância, é outro indício de notícia pouco consistente porque, eles, assim como você, não devem ser especialistas no assunto. Blogs e páginas do Facebook das quais você nunca ouviu falar também são suspeitos.
Mas mesmo que as fontes sejam dúbias, isso não necessariamente anula a veracidade de uma notícia. Se algum amigo seu te ligasse no dia 1º de maio de 1994 falando que o Senna morreu, você duvidaria, certo? Qual é a primeira coisa que iria fazer? Ligar a TV para ver o que os jornais estão falando. Como jornalista, eu iria entrar na internet (finge que tinha internet na época) e conferir a capa dos principais portais de notícias. Leia o resto deste post »

Perdoe o seu ladrão

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Clica que você chega no grupo!
Clica que você chega no grupo!

Um desses eu ouvi que enquanto você guarda ódio de uma pessoa, você continua tendo uma ligação com ela.
Você conseguiria deixar o ódio pelo seu ladrão ir embora?

A Bruna Caldeira está tentando perdoar o ladrão que roubou a casa dela. Não vai ser fácil, já que ele levou um notebook com trabalhos de oito anos de atuação como designer gráfica. O ódio e a ideia de perdoar mexeram tanto com ela que ela criou uma página no Facebook pra ajudar mais gente a deixaro sentimento ir embora. O que não significa, é claro, que o cara não tenha que ser punido.

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As mulheres-vitrine

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Quando eu tinha 13 anos, minha família se mudou para um novo bairro em BH. Ainda na primeira semana na casa nova, saí caminhando pelo bairro, para descobrir o que tinha de interessante por lá: lojinhas, padarias, papelarias que vendiam canetas coloridas. Numa dessas vezes, eu estava andando na calçada perto de uma praça quando um homem, de uns 30 anos, parou o carro ao meu lado e me pediu uma informação. Eu, orgulhosa de já saber me virar por ali, expliquei que para chegar na BR ele tinha que contornar a praça, pegar a terceira rua à direita e seguir até o final. O cara não entendeu, pediu pra explicar de novo. Expliquei. Ele insistiu: qual rua que é? Era tão óbvio, eu tinha acabado de apontar ali na frente, não entendia porque ele ficava me perguntando mil vezes sobre a mesma informação, até que percebi o gesto que ele estava fazendo. Ele estava se masturbando.

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O abismo é maior do que parece

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Calma, não estou falando de depressão. Mas a história não é muito feliz.

Topei com um vídeo que mostra de maneira bem simples a desigualdade econômica nos EUA. Ele mostra como as pessoas acham que é a distribuição de renda no país, como elas acham que deveria ser e como – e isso é mais chocante – de fato é.

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Protesto na Paulista: quando bolivianos, caras-pintadas e surdos se encontram na avenida

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Acabando de voltar da avenida Paulista no coração de São Paulo, onde me deparei com uma cena surreal.

19h30:

1. Um grupo de mais de 300 bolivianos protesta em frente ao consulado da Bolívia. Eles pedem justiça pela morte cruel de um menino de cinco anos durante um assalto. Em espanhol eles pedem a saída do cônsul e gritam “Justicia paraguaya!” (foi o que eu entendi). A maioria é de homens jovens e há algumas mães que carregam bebês no colo. Umas três bandeiras da Bolívia são agitadas em meio às pessoas. Leia o resto deste post »

Racismo na prática

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Alguém ainda acredita que não existe mais racismo?
Então olha esse vídeo que uma TV americana fez:

Traduzindo para o português: eles esconderam uma câmera num parque. Aí colocaram um ator branco quebrando a corrente de uma bicicleta. Quando as pessoas perguntavam, o cara assumia que a bicicleta não era dele.
Aí trocaram por um ator negro, da mesma idade, com o mesmo tipo de roupa, na mesma situação. As reações com um e outro são bem diferentes.
O bacana é refletir, como o próprio nome do programa diz: como você agiria se estivesse passando na hora?

O caminho dos nossos medos

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Já que tanta gente elogiou meu último texto (obrigada, pessoal, do fundo do coração) resolvi escrever outro falando sobre algumas coisas que eu descobri ao longo desse caminho de auto-conhecimento.

É claro que eu não sou especialista, mas nos últimos anos de conversas com terapeutas, psiquiatras, outras pessoas com depressão e leituras de alguns livros, eu fui aprendendo muito sobre a minha mente. Eu acabei pegando peças da psicologia, da neurociência, da terapia cognitiva e até do budismo para montar um conceito muito particular sobre o funcionamento dos pensamentos e das emoções. Porque acredite, quando se trata de algo tão complexo como o cérebro e o pensamento humano, nenhuma teoria tem a resposta completa.

É assim que é na vida real
É assim que é na vida real

Bom, é o seguinte: todos nós pensamos por associações. Vemos a chuva pela janela, ligamos esta imagem a uma memória de estar debaixo da chuva, ligamos essa memória a uma sensação negativa, concluímos que é algo a ser evitado e pegamos o guarda chuva. Isso tudo em micro frações de segundo, tão instantâneo que você nem toma consciência do que está pensando. Imagine realmente diversas áreas do seu cérebro sendo ligadas em linha, o local que processa a imagem da chuva sendo ligado ao local da memória do banho de chuva, ao local das sensações negativas, etc.

Beleza. Isso é o processamento do seu cérebro, algo desenvolvido ao longo de milhares de anos. É por isso que sabemos qual é a sensação de estar na chuva mesmo estando secos dentro de casa. Evolução, baby.

E tem mais um truque do nosso cérebro, que nos ajudou a sobreviver fazendo as associações corretas. Quanto mais vezes uma associação é feita, mais fácil ela fica de ser repetida.  Imagine se, toda vez que o homem das cavernas visse um leão, o cérebro dele tivesse que repassar todas as experiências anteriores relacionadas com o felino até descobrir em qual confiar. Muito mais fácil ir na resposta mais usada. E é aí que algumas ligações se tornam tão estreitas que acabam se confundindo entre si. A relação entre chuva e molhado, por exemplo, já foi repetida tantas vezes para nós (pela experiência direta, pela observação e pelo que os outros falam) que é quase impossível dissociar um conceito do outro.

Isso tudo também acontece com os processos mais sutis. Temos o costume de associar um acontecimento ou uma ação a um determinado sentimento, como: “fui demitido, portanto fiquei triste”. Mas assim como no exemplo acima existem vários pensamentos conectados entre o “ver a chuva” e “pegar o guarda-chuva”, aqui também existem pensamentos hiper velozes que nossa consciência não percebe. Entre o “ser demitido” e o “ficar triste”, a pessoa pode ligar esse ato a uma sensação de derrota anterior, ou a um sentimento de incompetência. Na verdade não há uma associação direta entre “ser demitido” e “ficar triste”. Basta pensar que se a pessoa já tiver outro emprego melhor em vista e esteja querendo receber o dinheiro do acerto da saída, por exemplo, a reação pode inclusive ser de alegria.

Um, dois, três e já!
Um, dois, três e já!

Então, tudo o que acontece no mundo passa pela nossa mente. Se você for pensar, o ato de ser demitido, o ato de ouvir seu chefe produzir uma série de sons com a boca, que o seu tímpano capta e seu centro de linguagem decodifica como as sílabas “vo-cê-es-tá-de-mi-ti-do”, esses acontecimentos físicos, não têm nenhuma conotação boa ou ruim. São acontecimentos tão mecânicos como uma gota de chuva que é atraída pela gravidade e cai no chão. O caráter negativo ou positivo é agregado pelo seu cérebro, que usa o conjunto de memórias, associações e pensamentos que você tem armazenados.

E aí, meu filho, nessas horas ele roda o programa mais usado.

Então se você passou anos ativando e fortalecendo as ligação entre os pontos “trabalho” e “derrota”, na hora em que aparece uma sugestão de ligação entre esses dois conceitos, ela é quase instantânea. Quer dizer então que basta passar o dia inteiro repetindo o mantra “eu sou bem sucedido no meu trabalho”, que o problema vai estar resolvido?

Bom, na verdade as coisas são mais complexas do que isso. E é aí que entra a terapia cognitiva. Mas isso é assunto para outro post.

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De psiquiatras e tabus

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Olá, meu nome é Larissa e eu tenho depressão endógena. Eu tomo remédios controlados desde os 16 anos e vou no psiquiatra a cada dois meses.

Já ensaiei escrever este texto muitas vezes. Acabei apagando por medo de “me queimar”, não entre os meus amigos, mas principalmente entre os meus colegas de profissão. Já falei desta doença aqui no blog e fiz referências a “alguém muito querido” que sofre com isso. Já menti várias vezes no trabalho, quando indagada a qual médico eu ia (neurologista, para a enxaqueca, era a resposta padrão) e sobre para quê eu estava tomando remédio. E já fiquei em silêncio enquanto ouvia um colega de trabalho dizer que a moça que estava se candidatando ao mesmo cargo que eu era louca, porque “tomava remédios tarja preta e ia no psiquiatra”.

Se eu sinto a necessidade de me calar e esconder algo que deveria ser natural, é porque existe um tabu. E se existe um tabu, ele precisa ser discutido.

Então aqui estou eu, respirando fundo, com o exemplo de mim mesma.

Só o Mr. Newman me entende.
Só o Mr. Newman me entende.

Vamos lá. Existe uma grande confusão entre os conceitos de tristeza e depressão. A tristeza é uma reação normal a um acontecimento difícil. Foi demitido? É claro que é motivo para ficar pra baixo, a reação saudável é mesmo ficar chateado até conseguir retomar as rédeas da vida. Já a depressão que a maioria das pessoas conhece, chamada de depressão exógena, é quando essa tristeza por algo que aconteceu se prolonga por muito tempo. Acontece com gente que perdeu um ente querido e depois “não consegue mais retomar a vida”. Isso não é uma fraqueza ou “manha” da pessoa. Mulheres e homens têm diferentes formações emocionais e mentais. Qualquer um pode entrar numa espiral de depressão e precisar de ajuda para sair de lá, e esses episódios têm que ser levados muito a sério.

Já o problema que eu tenho é a chamada depressão endógena. “Endo”, em oposição a “exo” se refere a algo que vem de dentro. Isso significa que as causas das minhas quedas de humor são majoritariamente bioquímicas e determinadas por fatores genéticos. Os próprios médicos não sabem explicar exatamente o que acontece, já que o cérebro humano ainda é um mistério para a medicina. Mas a maioria parece concordar que o problema é relacionado à recepção dos neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina (conhecidos por causarem sensação de bem-estar). Ainda há dúvidas se o problema é que existem poucos receptores dessas substâncias ou se eles não funcionam de maneira adequada. E não, não existem exames para medir isso.

Então a minha depressão não tem um “motivo”. O que geralmente é um problema, porque quando eu digo que não estou bem as pessoas costumam perguntar “o que aconteceu?” e não dá o pra dizer que “meus receptores de serotonina decidiram entrar em greve ontem à noite”. Para esclarecer, eu gosto muito de comparar a depressão endógena com o diabetes causado por herança genética. Ambos são causados por fatores internos, mas podem ser agravados ou amenizados por fatores externos. Por exemplo: um diabético pode adotar uma alimentação saudável e exercícios físicos e até chegar dispensar as aplicações de insulina. Algo semelhante acontece com quem tem depressão endógena, sendo que o melhor antídoto é a terapia, e acontecimentos impactantes ou mudanças bruscas também podem desencadear uma crise. Ambos os males são doenças crônicas que, se bem controladas, permitem que as pessoas levem vidas normais, mas que terão que ser vigiadas para o resto da vida.

Só que, diferentemente do diabetes, em que você pode medir seu índice glicêmico e avaliar a evolução da doença, não existem exames para medir o grau de depressão de uma pessoa. E é aí que mora o perigo. Eu fui diagnosticada muito cedo, aos 16 anos, principalmente pelo fato de a minha mãe ter uma versão bem grave dessa doença e sempre ter ficado de olho nos meus sintomas. E isso, como no diabetes, foi fundamental para que eu pudesse controlar a doença. Mas eu mesma não tinha nem ideia de que tinha alguma coisa errada comigo. Eu me sentia cansada o tempo todo, dormia muito e raramente tinha vontade de sair com meus amigos, mas achava que eu era assim mesmo. Me lembro de escrever no meu diário numa virada de ano: “podia ter um intervalo entre um ano e outro, em que eu não tivesse a obrigação de existir e pudesse descansar”. Eu me cansava de existir.

Sabe quando você descobre que acabou a nutella? Era assim todo dia.
Sabe quando você descobre que acabou a nutella? Era assim todo dia.

Com o tempo, com terapia e remédios adequados (hoje eu tomo um antidepressivo e um estabilizador de humor) eu consegui começar me erguer e partir para a vida, mas ainda tive várias crises que duraram meses, sempre com um intervalo de mais ou menos três anos entre elas. Minha última crise aconteceu no meio de 2012. Não creio que meus colegas de trabalho tenham reparado, porque felizmente sempre consegui cumprir minhas tarefas apesar da minha angústia. Hoje, o principal objetivo que eu, minha psiquiatra e minha terapeuta temos é evitar novas recaídas. Mas eu sempre tive uma dúvida: seria eu só mais uma adolescente enjoada? Seria a depressão nada mais do que parte da minha própria personalidade? Eu não sei. Hoje eu posso dizer que estou em um dos meus melhores momentos dos últimos anos, e tenho a sensação que os medicamentos que eu tomo me permitem que eu tenha disposição para ser eu mesma. Mais do que isso, tenho a sensação de que não existe nada que possa alterar quem eu fundamentalmente sou.

Ainda quero voltar depois ao assunto da depressão. Por agora digo que se você está passando por uma fase de tristeza profunda muito prolongada, seja por causa de uma situação difícil ou principalmente sem motivo nenhum, procure ajuda. Mais do que procurar ajuda, estude. Leia tudo o que puder sobre a depressão, aprenda tudo o que puder sobre o funcionamento do seu cérebro. Converse com quem foi diagnosticado com a doença, com médicos, terapeutas. E nunca, jamais, tome remédios psiquiátricos ou pare de tomá-los por conta própria.

Atualização – leia o segundo post da série aqui: O caminho dos nossos medos

Como eu descobri meu racismo

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A gente gosta de dizer que o Brasil não é racista. Enchemos a boca para falar que somos o país da diversidade racial, que todo mundo convive bem e que aqui a cultura negra é festejada, olha que alegria! Só que não. Como já dizia George Orwell, no clássico A Revolução dos Bichos: somos todos iguais, mas uns são mais iguais que os outros.

Todos temos direito à proteção, mas alguns acabam mais atingidos. Todos temos direito à educação, mas alguns ficam de fora. Todos temos direito aos bens materiais, só que alguns terão que esperar mais um tempinho, que tem gente na frente. Então paremos com essa história de país igualitário e olhemos o Brasil pelo que ele é: um país preconceituoso, que insiste em manter uma desigualdade gritante e ainda por cima profundamente ligada à aparência das pessoas.

O que é um pouco mais difícil de engolir é o seguinte: se o Brasil é um país racista, somos todos racistas. Eu, você, o seu professor favorito, avó, filho, namorado, todos. Eu sei que você já abriu a boca para dizer que “nãão, eu não, imagina!”, mas acompanhe meu pensamento. Existe um “pré-conceito” muito forte na nossa sociedade, que é a ideia de associar a pobreza, a criminalidade e a falta de ensino às pessoas negras. É por isso que o mulato é o primeiro suspeito da polícia, que o “moreninho” de chinelo é confundido com um pedinte e que tem gente que não pode participar de um happy hour em paz sem ser confundido com o garçom.

E eu, toda linda e cheirosa, que sempre acompanhei os movimentos sociais, que sempre pensei diferente e nunca hesitei em apontar o preconceito e o machismo alheio, eu achei que estava acima disso. Eu achei que ler e pensar a respeito do racismo e exercitar minha aceitação ao diferente me faria imune a esse pensamento de Casa-grande e Senzala, e que eu realmente percebia que todos eram iguais. Até o dia em que eu dei de cara com a parede.

Tô branco agora, moça?
Tô branco agora, moça?

Foi numa cidadezinha de Portugal, chamada Braga. Fui visitar meu irmão que estava morando e estudando lá. Ele ocupava um dos quartos de um prédio cheio de estudantes de todas as partes do mundo. Estávamos eu, ele e alguns brasileiros na porta do prédio. A essa altura eu já estava zonza com o tanto que tudo era diferente naquele continente. Eis que se aproximam de nós duas moças. Uma delas, que chegava sorridente à frente, devia ter uns 20 anos, tinha cabelos loiros e cacheados, olhos azuis e cara de anjinho. A outra, que vinha logo atrás, era mais reservada, devia ter por volta de 30 e poucos, era negra, de olhos e cabelos castanho-escuros. Elas chegaram perto do nosso grupo e, vendo que eu era nova na cidade, a menina da frente se apresentou num inglês muito difícil: “Oi, eu sou fulana. Esta é ciclana”. Sorri para as duas e me apresentei também. Foi só quando meu irmão comentou que elas eram estudantes da faculdade dele vindas da França e de Cabo-Verde é que eu despertei da realidade paralela na qual eu tinha entrado: eu estava assumindo que era uma menina e sua empregada!

Quando eu percebi que eu tinha presumido que uma estudante de Cabo-Verde era a empregada de alguém, só porque ela era negra, me deu vontade de cavar um buraco ali mesmo e enfiar minha cabeça dentro. Ainda bem que eu tive a decência de não abrir a minha boca e ninguém percebeu. Eu não creio que eu as trataria de modo diferente se fossem uma faxineira e uma patroa, mas eu fiquei assustada com a facilidade com que eu entrei nesse jogo de “ele é preto, então é pobre”. Então eu lembrei que já tinha pensado assim muitas e muitas vezes, só que nem sempre o choque entre realidade e imaginação era tão grande como foi naquele outro país.

Desde então eu fiquei pensando muito em como escapar do meu próprio preconceito. Ultimamente tenho tentado usar a imaginação para inverter as cores das pessoas nas ruas. “O que eu pensaria se esse cara fosse branco, e não negro? Qual seria a minha visão sobre essa senhora, se ao invés de branca, ela fosse negra?” Funciona em parte, mas ainda preciso de alguma prática. Enquanto ainda não consegui tirar o racismo da minha cabeça, o melhor é me esforçar duplamente para tratar todo mundo igual. E gastar mais uns cinco minutos checando se o garçom é mesmo o garçom.

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Onde está o seu lixo?

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Sabe onde vai parar aquela tampinha, aquele lixo inocente que as pessoas jogam na rua?

Ela é carregada por milhares de quilômetros, através de esgotos, rios, mares, oceanos, boiando nas correntes marítimas. E aí, no meio do caminho entre o continente americano e a Ásia, ela para nas praias de uma ilha. A ilha Midway.

E eis o que acontece quando os pássaros da ilha de Midway se encontram com a montanha de lixo que produzimos todos os dias:

O fotógrafo Chris Jordan pretende lançar este ano um documentário sobre a ilha. O vídeo acima é o trailler.

Acho que a gente precisa refletir não só sobre o lixo que a gente joga ou não na rua. Mas sobre o fato de que todo o lixo que produzimos vai para algum lugar. Principalmente o plástico. Dá para imaginar que todo o plástico já produzido e usado no mundo está intacto em algum lugar? (afinal, o material leva mais de um centena de anos para se decompor, mais tempo do que o que passou desde a sua invenção). Aquela tampinha da primeira coca-cola que você tomou, onde está? E aquele celular tijolão que você já teve? Tem componentes de plástico, onde estarão? E aquela boneca ou carrinho, que era o seu favorito? Está num lixão? Flutuando num oceano? Numa ilha?

Via Blog do Tas

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A patrulha gramatical ou: da dor de não saber

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Como que monta, mãe?
Como que monta, mãe?

As pessoas cometem erros gramaticais incríveis na internet, eu sei. Acredite, eu leio, escrevo e reviso milhares de caracteres por dia e não tem nada que faça meu estômago revirar mais fácil do que um “fássio”. Mas antes de sair dando indiretas no Facebook ou dar print screen no erro dos outros, eu tento parar e pensar sobre algumas coisas:

A primeira questão é que eu sou uma pessoa muito privilegiada nesse país. Eu tive acesso a uma boa escola, tenho boa capacidade de aprendizado, tenho pais que me incentivaram o hábito de leitura desde cedo e tive acesso ao ensino superior. Além disso, sou jornalista, tenho a língua portuguesa como objeto de trabalho, o que me dá o privilégio de saber mais do que a média quando o assunto é coesão textual ou regras gramaticais.

Mas a maioria das pessoas não teve a mesma vida que eu. Muita gente não teve oportunidade de estudar, porque tinha um trabalho integral aos 12 anos ou porque a escola era muito longe. Outros até frequentaram bons colégios, mas têm problemas de aprendizado. Outros ainda acabaram focando totalmente em outras áreas, por causa da dificuldade com o português e com as matérias de humanas.

Então quando a gente aponta o dedo e critica uma pessoa que não sabe escrever de modo correto, nós estamos fazendo isso de uma posição muito superior a ela, e isso, na minha opinião, é extremamente cruel. É como se você visse um cara sem um braço na rua e começasse a rir porque ele não consegue fechar o zíper do casaco. E isso vale mesmo que seja uma indireta ou um comentário sem alvo definido.

Eu já conheci pessoas maravilhosas que têm tanta habilidade com textos quanto eu tenho com uma britadeira. E o que mais me dói é que isso é extremamente embaraçoso para elas. Minha avozinha linda, por exemplo, nunca respondeu nenhuma das cartas que eu mandei, porque ela morre de vergonha de ser semi-analfabeta. Mal sabe ela que eu ia amar até se ela me mandasse um coração desenhado num guardanapo. O que são um monte de rabiscos, perto de todas as rezas que ela já fez para mim na vida?

Essas pessoas sempre fizeram parte da nossa vida e tentaram esconder o fato de não dominarem a língua como nós (sem duplo sentido, please). Mas agora a geração mais nova delas ganhou um computador, no qual se pode perguntar e errar sem que ninguém veja e julgue. Essas pessoas podem entrar no Google no quarto delas e aprender, clique após clique, o que seus pais não tinham coragem de perguntar. Elas provavelmente são a primeira geração da família que pode opinar entre as pessoas “relevantes”, seja contra a corrupção no Senado ou seja a favor do corte de cabelo do Justin Bieber.

A gente pode até criticar quem trocou “s” com “c”. Mas temos que saber que essa cutucada é feita de um plano muito privilegiado em relação a quem recebe, e pode acabar se transformando num soco na barriga. E de estômago revirado aqui, basta o meu.

Dois anos de retiro e um aprendizado

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Estou viciada no Papo de Homem. E um portal feito inicialmente para atender ao público masculino, mas que acaba trazendo assuntos que são do interesse de todos, como mente e meditação.

Num dos últimos posts eles soltaram um vídeo com o Henrique Leme, um cara que ficou dois anos em retiro de meditação com mais duas pessoas. Ao contrário de outros expoentes do budismo, ele não usa túnicas cor de açafrão, mas roupas como a nossas. Essa postura de abertura e humildade se reflete ao longo de todo o vídeo. Vale muito a pena ver até o fim.

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Senso de injustiça é o básico

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Essa palestra do pesquisador Frans de Waal é bem interessante.

Ele mostra vários testes de comportamento animal que provam que macacos, elefantes e outros mamíferos sentem empatia, têm senso de colaboração e ficam fulos da vida se acham que estão sendo injustiçados.

Um dos melhores experimentos demontra na prática o que é receber um salário de R$ 600,00 enquanto a madame do outro lado da cidade recebe uma pensão de R$ 60 mil, e o que isso desperta nas pessoas. Quer ver? Avance até os 12 minutos e 44 seg.:

Pois é. Como disse Frans, o macaco da esquerda é aquele pessoal do Occupy Wall Street.

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Santa Maria e a nossa responsabilidade

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Tem circulado uma carta na internet, a princípio escrita por uma das vítimas do incêndio na boate Kiss em Santa Maria. No texto a menina comenta sobre o momento no qual a Dilma chorou ao comentar sobre a tragédia ou visitar os parentes das vítimas e literalmente pede para a presidente “engolir o choro” e fazer alguma coisa.

Clique aqui para ler a carta.

Pois é. Não precisa conhecer muito de política para dizer que muita gente trata governantes e políticos como deuses ou demônios. Num momento eles são os grandes benfeitores do País, aqueles que “colocaram o Brasil nos trilhos” e no outro eles são os responsáveis por toda desgraça que acontece, da consciência do funcionário não-treinado à epidemia de crack nas ruas.

É de todos nós.
É de todos nós.

Existe o hábito de ver os governantes como os únicos jogadores do jogo do soberania brasileira, enquanto todos nós somos apenas expectadores que ficam xingando, lá da arquibancada. Como se não tivéssemos nada a ver com as políticas públicas e com o comportamento da sociedade.

Há alguns anos eu trabalhei numa ONG chamada Oficina de Imagens e, entre outros trabalhos, ajudava num programa da Unicef chamado “Município Aprovado“. A ideia ajudar as prefeituras das pequenas cidades do norte de Minas a melhorar os indicadores sociais do município, como taxa de desnutrição, acesso à escola e etc. No final, as cidades que conseguissem avançar ganhavam um selo reconhecido internacionalmente. E o que se via era que, por mais dinheiro que uma região tivesse, a mudança só acontecia de verdade quando a comunidade inteira ajudava.

Ainda me lembro do que me disse um dos coordenadores do programa, algo assim: “As pessoas acham que o papel dos governantes é resolver todos os problemas da cidade para elas. Mas a verdade é que se as pessoas não se envolverem, as prefeituras e os governos não dão conta de mudar o cenário sozinhos”.

No final a lição de Santa Maria é essa. O que matou mais de 200 jovens não foi o fogo ou a fumaça. Foi o descaso e a negligência com a segurança das outras pessoas, cometidas tanto pelos órgãos públicos quanto pelos empresários e pelos músicos em nome da economia ou da comodidade. Agora pare e pense: quantas vezes você já burlou as regras em nome da comodidade e da economia?

Deixa eu te ajudar. Você já falsificou carteirinha de estudante? Já dirigiu depois de beber? Já pediu pra aquele médico amigão da família fazer uma receita de remédio controlado, porque você precisa viajar e a cartela está no fim? Já furou fila? E essa vai para os amiguinhos jornalistas: você já usou sua influência profissional para ser atendido antes em órgãos públicos ou entrar sem pagar em museus e shows?

Pois é. Que tal se, além de culpar a todos os governantes, empresários e políticos do país, a gente parasse para pensar e colocasse a mão na consciência?

Quem quiser mais sobre esse assunto, também recomendo o texto do Antônio Prata, que está fantástico.

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