homossexual
O governo não é seu inimigo
Não sou governista, petista ou sequer tenho partido político. Mas diante do que tem circulado na internet nesses últimos dias, preciso sair em defesa do MEC, o Ministério da Educação.
Eis o que temos visto pipocar jornais, portais e em blogs dos mais variados assuntos:
1. O livro do MEC incentiva os alunos a falar “nóis vai”
2. O governo vai distribuir kit gay nas escolas
3. A professora Amanda Gurgel deu show com o discurso sobre o problema dos professores
Muita calma nessa hora.
Acho que a gente primeiro tem que ter em mente que o governo não é comida não é o inimigo do povo que está aqui para oprimir todo mundo. Primeiro é preciso se informar e analisar questões complexas como essas com calma, antes de sair apontando o dedo por aí. Sobre os temas: no assunto nº 1 eu já disse o que penso aqui.
Kit anti-homofobia
No assunto nº 2 eu acredito que é preciso pensar antes de quem parte essa afirmação (uma pergunta que a gente sempre se coloca no jornalismo). Esse assunto começou a ganhar corpo com a polêmica do Jair Bolsonaro, um parlamentar que assume abertamente uma postura anti-gay (não conheço outro nome pra isso que não homofobia). Depois que ele ganhou todos os holofotes por ter xingado a Preta Gil no CQC, aproveitou para empurrar essa questão no balaio das polêmicas. E então blogs e deputados evangélicos começaram a divulgar que o MEC está distribuindo uma cartilha nas escolas que ensina as crianças a serem homossexuais (não tenho nada contra evangélicos, quero deixar claro também).
Existe um material anti-homofobia em fase de produção, que seria distribuído nas escolas no segundo semestre. Mas diante de todo o auê o governo (leia-se Dilma) suspendeu tudo.
Eis o vídeo que constaria no material:
Acho tranquilo. Não há beijo gay (que inclusive já aconteceu em uma novela), não há sexo explícito. Há duas meninas que querem ficar juntas e debatem sobre como agir quando têm seu relacionamento exposto para toda a escola.
As pessoas começaram a tratar do tema como se houvesse um complô do governo para transformar todos os cidadãos em homossexuais. Mas é preciso considerar que existe um problema grave de homofobia, discriminação e violência nas escolas em relação a quem gosta de alguém do mesmo sexo. E também que é papel do governo tentar reverter essa situação e proteger quem está sendo oprimido.
O que o MEC tem dito é que: 1. o material que circula pelo Congresso não é produzido nem distribuído pelo ministério; 2. o material sobre homossexualidade ainda está em análise; 3. não se trata de estimular o comportamento homoerótico, mas sim de tentar disseminar o respeito à diversidade sexual e diminuir o preconceito e a violência contra os gays. O governo, é claro, sempre vai defender a sua política, mas no mínimo é uma parte da informação que precisa ser divulgada.
Amanda Gurgel
No assunto nº 3… acho que Amanda Gurgel tem razão em muito do que fala. Vale a pena repetir o vídeo dela aqui em baixo.
Não tenho tanto conhecimento sobre a atual situação dos professores para opinar sobre o assunto, mas isso não significa que a gente possa juntar tudo no mesmo balaio e misturar a crítica dela do posto de professora com boatos que estão se espalhando por aí.
Por trás da difusão desses três assuntos eu vejo algo que me preocupa: a tendência de colocar a culpa de tudo no governo. Não me levem a mal, existem críticas bem pertinentes sendo feitas e creio que temos sim que estar vigilantes sobre o que vem dessa instituição tão poderosa. Mas quero destacar aqui aquelas críticas que começam a correr na boca de todos e acabam virando clichê. O discurso fácil de que o governo não investe em educação, nem em saúde e que “o Brasil está do jeito que está é por culpa desse governo sem vergonha”.
Calma aí. Em primeiro lugar, quem colocou o governo lá fomos nós. Em última análise, nós somos o patrão do governo, ele trabalha (ou deve trabalhar) para o povo, não contra o povo. Passamos muito tempo numa ditadura e lutamos muito pela democracia para agora cair nessa conversa de governo que manda e desmanda.
As coisas que o MEC faz, que o MEC distriubui, que o MEC autoriza, como muitas outras políticas públicas, não são adotadas para satisfazer os caprichos de um governante. São pensadas, analisadas, debatidas em equipe, seguem determinadas correntes de pensamento que são mais ou menos aceitas na academia. Não é algo que cai do céu, ou ideias que o Fernando Haddad acorda com vontade de implantar. Por isso, é preciso mais cuidado no momento de fazer críticas como essas.
Machismo, a burca brasileira
Desde que decidiram que o homossexualismo é uma ofensa, o futebol se mostrou um campo fértil para a homofobia. Para ofender o torcedor do time adversário, basta fazer comentários sobre a orientação sexual da torcida ou dos jogadores do time. Isso tudo porque, teoricamente, “futebol é coisa de macho” e macho que é macho gosta é de mulher. Mesmo que uma jogadora brasileira tenha sido eleita a melhor do mundo e que milhares de homens gays usem de uma enorme dose de coragem para não viverem amarrados pelo que sua avó acha ser o certo.
Nesse sábado, um colunista do jornal O Tempo escreveu um artigo falando sobre esse assunto, e como a torcida do cruzeiro estava associada ao mundo gay. Vejam bem, ele não teve a intenção de dizer que a torcida cruzeirense é composta de homossexuais, e sim traçou hipóteses sobre os motivos dessa associação. Só que o fato de ele ser gay e cruzeirense falou mais alto que tudo que ele escreveu.
Nos comentários, dezenas apagados por conterem ofensas ou palavrões, há desde ofensas à credibilidade do jornal até “piadas” sobre a sexualidade de atleticanos e cruzeirenses. O fato de a torcida do cruzeiro ter um torcedor gay virou uma piada tão grande que eu não consegui distinguir os comentários sérios dos jocosos.
E o que eu tenho a ver com isso, se não sou homem, não sou gay e não gosto de futebol? Tudo. Porque é esse tipo de pensamento e raciocínio que idolatra o machismo que coloca essa “filosofia” no nosso caminho todos os dias. E é por isso que quando eu e inúmeras mulheres aparecem em um ambiente predominantemente masculino, como construções, bares, oficinas, e outros, sempre somos encaradas como um pedaço de carne que está ali puramente para o “entretenimento” dos “machos”.
Levei muito tempo para me sentir bem usando saia sem meia-calça, simplesmente por causa desse comportamento idiota. E muitas mulheres ainda têm medo (medo mesmo) de usar determinadas roupas, porque sabem que os homens vão ficar olhando, fazendo piadinhas, comentando. Nesse cenário, pra quê burca, se temos toda a censura social a favor do machismo?
E isso lembra, é claro, a aluna da Uniban, que foi quase linchada e estuprada por centenas de universiatários que acharam que ela estava “causando” por usar uma mini-saia rosa! Imagina quantas meninas mais não ficaram com medo de usar esse tipo de roupa. E aí passam a escolher o modo como saem às ruas pelo medo, não pelo conforto, beleza ou estilo. Realmente, isso deixa a ditadura da moda no chinelo.
A ditadura nossa de cada dia
Recentemente, li um texto muito inspirador escrito por um amigo meu. Ele fala de uma situação de perseguição, na qual pessoas comuns vêem sua liberdade cerceada por onde quer que andem. No país onde ele mora, não pode expressar afeto em público com a pessoa que ama, ou sequer revelar suas verdadeiras aspirações, sob pena de censura e isolamento.
Uma frase do texto retrata bem esse país: “Talvez você tenha que mudar de país para se casar”. Retrata bem um tipo de censura que é, por exemplo, imposta em regimes comandados por fanáticos religiosos, nos quais a mulher é obrigada a seguir uma vida rígida ao lado do marido que ela não escolheu.
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Mas vejam só. O país no qual ele mora se chama Brasil.
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Meu amigo é gay. E vive censurado em seu próprio país.
E apesar disso, o Ruleandson, no blog dele, fala dessa situação não com rancor, mas com leveza e a maturidade de quem constatou como as coisas realmente são.
Segue o texto:
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Eu não queria que minha mãe fosse a Cláudia Leitte*
Quando você nasceu com certeza seus pais fizeram alguns planos. Dentre esses planos, provavelmente, estava o dia em que você iria casar e ter filhos biológicos (necessariamente nesta ordem). Mas, talvez, chegue um dia em que aquele dia que sonharam para você fique cada vez mais distante, ao mesmo tempo em que você se aproxima cada vez mais do seu dia.
O seu dia é o dia de se descobrir. No seu dia, você, enfim, descobre que não pode mais disfarçar seus olhares, sufocar seus desejos, ou se apertar para se estacionar na vaga que lhe reservaram. Você vai ter que se aceitar, se perceber, viver. Você vai ter que se amar e encontrar um modo de não se magoar, de continuar seguindo em frente e fingir que aquelas velhas piadas são sempre sobre outras pessoas, nunca sobre você. Você vai rezar, ainda que não creia em Deus, para nunca encontrar os “coleguinhas” da escola que lhe davam apelidos feios, pois eles vão achar que venceram e que você perdeu.
Mas você não vai poder se perder, pois vão sim querer se aproveitar de você. Você vai ter também que fingir não se irritar quando disserem “eu já sabia” e se conformar, pois algumas apostas serão vencidas por pessoas que cobraram pelo seu destino. Você vai perceber que não é preciso assumir, afinal, você não fez nada de errado para assumir, é preciso apenas ser honesto com você, só é preciso sentir. Você vai compreender o real sentido de “ninguém tem nada a ver com a sua vida”, porque ninguém realmente precisa saber tudo da sua vida, a vida será sempre só sua.