Feminismo

Um conto de fadas feminista

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Não é segredo que “Malévola” tem sido a sensação dos cinemas nas últimas semanas. Junte uma releitura ousada de um clássico dos contos de fadas, uma linda cenografia e o magnetismo de Angelina Jolie e o sucesso está explicado. Mas não é só isso. O longa redime os clássicos infantis no seu ponto mais sensível: o papel que é dado à mulher.

Em geral, o contos de fadas, do tipo Cinderela, Branca de Neve, A Pequena Sereia, Bela Adormecida, seguem mais ou menos o mesmo roteiro. Jovem donzela inocente é colocada em perigo por uma bruxa má e resgatada por um príncipe encantado. O final geralmente é uma união, um beijo ou um casamento, e todos são felizes para sempre, menos a bruxa má, que morre ou é punida de alguma forma. Nos últimos anos, já que a fórmula “pobre donzela inocente” não cola mais, estúdios como a Disney têm tentado criar novos clássicos, nos quais a mulher aparece, digamos, em um papel mais moderno. Elas passaram a ter gênio forte, se
aventuram? e no final se casam com o tal do príncipe encantado.

ImagemDesenho após desenho, filme após filme, é repetido para garotinhas do mundo todo o mesmo mantra: “você só será feliz no final se encontrar seu príncipe encantado e se casar”. Desenhos mais recentes, como A Bela e a Fera, Pocahontas, e O Corcunda de Notre Dame, mostram mulheres que tomam suas próprias decisões e vão atrás do que querem. E como recompensa recebem um marido no fim do filme. Até Mulan, a heroína que cortou o cabelo e se disfarçou de homem para lutar entre guerreiros, encontra seu homem no final. “Enrolados”, releitura do conto Rapunzel, trouxe uma mocinha super decidida, que no final se apaixona e se casa. Animação dos anos 2000, ideologia dos anos 60. Nada contra casamentos, mas não podia dar uma variada? Aí vieram Valente e Frozen, as duas primeiras animações estilo contos de fadas nos quais as heroínas não estão desesperadamente em busca do verdadeiro amor. As feministas deram pulinhos de alegria, mas a verdadeira redenção veio com Malévola.

—- ATENÇÃO: A PARTIR DAQUI O TEXTO CONTÉM SPOILERS—

Nessa releitura de Bela Adormecida, focada na vilã, vemos como a história de Malévola começou, e como ela chegou ao ponto de Imagemamaldiçoar um bebê recém-nascido. Enfurecida e humilhada após ter sido drogada e ter suas asas cortadas pelo homem por quem havia se apaixonado, ela desconta toda a sua raiva na filha do seu “ex-príncipe encantado”. É a primeira vez que se mostra uma agressão de homens em relação a mulheres. Enquanto alguns dizem que esse trecho tornou o filme misândrico, a própria Angelina Jolie afirmou que a cena era uma metáfora para o estupro.

Polêmicas à parte, foi a primeira vez que eu vi, num conto de fadas, uma mulher e um homem na disputa pelo poder. Malévola não é uma princesa adolescente sujeita às vontades do rei-pai. Ela também não é uma jovem rebelde que quer virar guerreira, ou sequer uma fadinha de vestido cor-de-rosa. Malévola é dona do seu próprio reino e disputa de igual para igual com o rei vizinho. Essa é a inovação do filme, mostrar a mulher num lugar de poder, ao mesmo tempo em que mantém a humanidade da personagem.

Nos outros contos de fadas, as mulheres só têm algum poder quando são as vilãs. Aliás, dá pra contar nos dedos de uma mão os vilões masculinos desse tipo de história. E me causou espanto essa constatação: toda vez que a mulher tem algum poder nos contos de fadas (um poder político, ok? Não o de ter um cabelo mágico ou de fazer passarinhos cantarem), toda vez que ela pode bater de frente com algum rei ou reino, ela é má. Ela é a vilã que tem que ser combatida pelo príncipe encantado (que vai virar rei e assumir o poder, mas ninguém fala disso, né?).

Em Malévola, apesar de a personagem central ser em alguns momentos uma vilã, ela também é heroína e donzela. Ela é uma rainha, independente se má ou boa. Se A Bela Adormecida era o meu conto de fadas favorito durante a infância, posso dizer que Malévola conquistou meu coração de adulta. E o melhor: no final, ao invés de se casar, ela passa a coroa adiante. Para outra mulher.

As mulheres precisam de…?

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Quer ter uma ideia do pensamento geral sobre determinado assunto? Digite no Google. Quando você preenche a caixa de buscas com um termo como “BH é”, a ferramenta completa automaticamente com os itens mais procurados. No caso, apareceu: “BH é onde”, “BH é 110 ou 220” e “BH é um ovo”. É, pois é.

Então um órgão da Onu que trabalha para acabar com a discriminação contra as mulheres resolveu digitar os termos “women need to/should/shouldn’t/cannot” (mulheres precisam/devem/não devem/não podem) e ver quais eram os termos que as pessoas mais usavam quando o assunto era o que era esperado ou necessitado pelo sexo feminino. O resultado foi esse:

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“Mulheres deveriam… ficar em casa/ser escravas/ficar na cozinha/não falar na igreja”

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Por que Gabriela gostava da palavra “puta”

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Nós inventamos nomes para as coisas que julgamos sujas. Merda, viado, cu, boceta, puta. São os nomes feios, das coisas que devem se manter longe e escondidas. Das coisas que não devem ser mencionadas. E nem escritas.

Gabriela não pensava assim. Ela pensava que o estigma das prostitutas aumentava porque a palavra “puta” era considerada um palavrão. Ela gostava dessa palavra e defendia que as putas fossem chamadas assim.

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Machismo, a burca brasileira

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by Made Underground (flickr/cc)

Desde que decidiram que o homossexualismo é uma ofensa, o futebol se mostrou um campo fértil para a homofobia. Para ofender o torcedor do time adversário, basta fazer comentários sobre a orientação sexual da torcida ou dos jogadores do time. Isso tudo porque, teoricamente, “futebol é coisa de macho” e macho que é macho gosta é de mulher. Mesmo que uma jogadora brasileira tenha sido eleita a melhor do mundo e que milhares de homens gays usem de uma enorme dose de coragem para não viverem amarrados pelo que sua avó acha ser o certo.

Nesse sábado, um colunista do jornal O Tempo escreveu um artigo falando sobre esse assunto, e como a torcida do cruzeiro estava associada ao mundo gay. Vejam bem, ele não teve a intenção de dizer que a torcida cruzeirense é composta de homossexuais, e sim traçou hipóteses sobre os motivos dessa associação. Só que o fato de ele ser gay e cruzeirense falou mais alto que tudo que ele escreveu.

Nos comentários, dezenas apagados por conterem ofensas ou palavrões, há desde ofensas à credibilidade do jornal até “piadas” sobre a sexualidade de atleticanos e cruzeirenses. O fato de a torcida do cruzeiro ter um torcedor gay virou uma piada tão grande que eu não consegui distinguir os comentários sérios dos jocosos.

E o que eu tenho a ver com isso, se não sou homem, não sou gay e não gosto de futebol? Tudo. Porque é esse tipo de pensamento e raciocínio que idolatra o machismo que coloca essa “filosofia” no nosso caminho todos os dias. E é por isso que quando eu e inúmeras mulheres aparecem em um ambiente predominantemente masculino, como construções, bares, oficinas, e outros, sempre somos encaradas como um pedaço de carne que está ali puramente para o “entretenimento” dos “machos”.

Levei muito tempo para me sentir bem usando saia sem meia-calça, simplesmente por causa desse comportamento idiota. E muitas mulheres ainda têm medo (medo mesmo) de usar determinadas roupas, porque sabem que os homens vão ficar olhando, fazendo piadinhas, comentando. Nesse cenário, pra quê burca, se temos toda a censura social a favor do machismo?

E isso lembra, é claro, a aluna da Uniban, que foi quase linchada e estuprada por centenas de universiatários que acharam que ela estava “causando” por usar uma mini-saia rosa! Imagina quantas meninas mais não ficaram com medo de usar esse tipo de roupa. E aí passam a escolher o modo como saem às ruas pelo medo, não pelo conforto, beleza ou estilo. Realmente, isso deixa a ditadura da moda no chinelo.

A ditadura nossa de cada dia

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Recentemente, li um texto muito inspirador escrito por um amigo meu. Ele fala de uma situação de perseguição, na qual pessoas comuns vêem sua liberdade cerceada por onde quer que andem. No país onde ele mora, não pode expressar afeto em público com a pessoa que ama, ou sequer revelar suas verdadeiras aspirações, sob pena de censura e isolamento.

Uma frase do texto retrata bem esse país: “Talvez você tenha que mudar de país para se casar”. Retrata bem um tipo de censura que é, por exemplo, imposta em regimes comandados por fanáticos religiosos, nos quais a mulher é obrigada a seguir uma vida rígida ao lado do marido que ela não escolheu.

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Mas vejam só. O país no qual ele mora se chama Brasil.

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Meu amigo é gay. E vive censurado em seu próprio país.

E apesar disso, o Ruleandson, no blog dele, fala dessa situação não com rancor, mas com leveza e a maturidade de quem constatou como as coisas realmente são.

Segue o texto:

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Eu não queria que minha mãe fosse a Cláudia Leitte*

Quando você nasceu com certeza seus pais fizeram alguns planos. Dentre esses planos, provavelmente, estava o dia em que você iria casar e ter filhos biológicos (necessariamente nesta ordem). Mas, talvez, chegue um dia em que aquele dia que sonharam para você fique cada vez mais distante, ao mesmo tempo em que você se aproxima cada vez mais do seu dia.

O seu dia é o dia de se descobrir. No seu dia, você, enfim, descobre que não pode mais disfarçar seus olhares, sufocar seus desejos, ou se apertar para se estacionar na vaga que lhe reservaram. Você vai ter que se aceitar, se perceber, viver. Você vai ter que se amar e encontrar um modo de não se magoar, de continuar seguindo em frente e fingir que aquelas velhas piadas são sempre sobre outras pessoas, nunca sobre você. Você vai rezar, ainda que não creia em Deus, para nunca encontrar os “coleguinhas” da escola que lhe davam apelidos feios, pois eles vão achar que venceram e que você perdeu.

Mas você não vai poder se perder, pois vão sim querer se aproveitar de você. Você vai ter também que fingir não se irritar quando disserem “eu já sabia” e se conformar, pois algumas apostas serão vencidas por pessoas que cobraram pelo seu destino. Você vai perceber que não é preciso assumir, afinal, você não fez nada de errado para assumir, é preciso apenas ser honesto com você, só é preciso sentir. Você vai compreender o real sentido de “ninguém tem nada a ver com a sua vida”, porque ninguém realmente precisa saber tudo da sua vida, a vida será sempre só sua.

Você vai ver que a sua única escolha será entre decepcionar algumas pessoas e decepcionar a você mesmo. Você vai se apaixonar por um cara e ele vai te fazer ter certeza de quem você é, e, quase sempre, essa será a única função dele na sua vida, não espere mais do que isso. Mas você vai encontrar um outro cara e vai amá-lo tanto que vai ter medo de você mesmo, você vai querer fugir. Você vai ter que aprender a dizer “eu te amo” para outro “macho”, não vai ser fácil, mas você vai ter que aprender.Alguns vão insistir em usar a palavra “homem” como oposto ao que você é. Ignore-os, você é tão homem como todos e conseguirá até ser mais “homem” do que muitos. Lembra quando as pessoas diziam que iam te amar para sempre?

Você terá a chance de saber quantas delas diziam a verdade. Você vai encontrar novos amigos, pois alguns antigos vão achar que você se tornou promíscuo: para eles, falar “besteiras” sobre mulheres é saudável, mas falar seus desejos por outro homem é imoral. Você vai escutar sempre a pergunta “você está usando camisinha?”, como se sua vida se resumisse a sexo, ainda que você transe bem menos do que eles. Você vai ter que aprender a usar preservativos para a alma, para o ouvido, para o coração, caso queira manter alguns amigos. Você vai ouvir que você mudou, mas são eles que precisam mudar.

Você vai descobrir que as pessoas vão cobrar um pouco mais de você do que dos outros, e isso não será uma mentira, será uma dura verdade que você terá que superar. Somente assim, você vai conseguir se olhar no espelho e se sentir mais aliviado, mais real, mais inteiro. Você vai ter que ter muita fé, para jamais desejar o inferno para aqueles que repetem tanto ser ele o seu destino. Você vai finalmente entender que, sim, você sempre amou aquela moça, mas você e ela serão apenas amigos que se amam, e isso será sempre o de mais belo em sua vida. E se essa não é a sua praia, você vai descobrir que pode ser o dono de uma ilha.

Você vai se olhar e achar que não é o mais másculo no almoço da família, mas ainda assim poderá ser o mais forte. Você vai constatar que, talvez, você não será o campeão nas disputas de futebol, talvez, você nem jogue futebol e ainda que jogue não será no time que eles desejam e os seus gols poderão sempre ser vistos como gols contra. Mesmo assim seus olhos vão se abrir e você vai descobrir que, em alguns jogos, quem perde é o vencedor.

Talvez, não vai ser tão fácil andar de mãos dadas nas ruas com quem você ama. Talvez, você tenha que mudar de país para se casar. Talvez, você não será o príncipe que dança a valsa dos 15 anos com as mocinhas, mas ainda assim você será o príncipe-encantado de alguém. Talvez, você não venha a ser o homem da vida de uma mulher, mas vai descobrir o máximo da reciprocidade, pois você será o homem da vida de alguém e também terá alguém para ser o homem da sua vida.Talvez, alguém tente te convencer que vai ser mais difícil ser feliz. Mas, nunca deixe que alguém consiga. Nunca deixe que ninguém tire o seu valor. Nunca deixe que ninguém tente descontar em você o ódio que ele sente por não ter a sua coragem de viver.

A vida não vai ser mais difícil, ela vai ser diferente. Porque chegou o dia de você se encaixar na vida que você sonhou e não na vida que te sonharam.Você, nesse dia, vai aprender que a grande questão não é sair ou ficar no armário, é o que você guardou dentro dele, é como você cuidou do seu armário. E vai chegar um dia em que aquele cara que você sempre sonhou vai abrir a porta deste armário, e, talvez, você não precise nem sair do seu armário. Talvez, ele entre para o armário, a felicidade tranque a porta, o medo jogue a chave fora e vocês fiquem juntos, dentro de um armário muito maior, em que todos se escondem, e que ganha o nome de mundo.

Quando esse cara chegar você nem vai mais se preocupar com os sonhos, os seus ou os que te deram. Esqueça os sonhos, porque nesse dia vai ser tudo realidade, do jeitinho que você sempre quis, como tem que ser. Você vai sonhar com flores, uma casa para morar, um cachorro no quintal e nem vai ter que se preocupar se disserem que isso é a coisa mais gay do mundo, você estará muito ocupado sendo feliz de verdade. E na porta dessa casa, em uma das poucas vezes em que você vai se permitir abaixar a cabeça, um tapete no chão vai lhe saudar: “Bem-vindo à sua vida”, não aquela de quando você nasceu, mas a de agora, de quando você, finalmente, renasceu.

 

*Quando o texto foi escrito, em 13 de novembro de 2008, a cantora Cláudia Leitte, que tem os gays como grande parte do seu público fiel e estava grávida de seu primeiro filho, deu a seguinte declaração: “Eu adoro os gays, mas prefiro que meu filho seja macho”. O marido ainda completou: “Deus me livre (do filho ser gay). Ele será bem criado”. Os comentários geraram grande repercussão entre a comunidade gay, que inclusive ameaçou a cantora de boicote.